A última segunda-feira (21/01) marcou o início da colocação em prática do acordo entre autoridades de São Paulo que visa agilizar a internação forçada de usuários de crack em clínicas de desintoxicação. A ação divide opiniões de especialistas, que esperam que a ação não se revele apenas mais uma operação de repressão dos usuários, como já ocorreu no passado na Cracolândia – com o intuito aparente de apenas retirar os usuários da ruas do centro da cidade, sem que fosse dado o devido tratamento ao dependentes. Segundo foi anunciado pelo governo do Estado de São Paulo na semana retrasada, hoje existem 700 leitos especializados para atender os dependentes químicos, a maioria em clínicas conveniadas. Além disso, foi divulgado que não haverá participação da PM no recolhimento das pessoas para tratamento, frisando-se que durante o processo serão seguidos todos os protocolos vigentes na área de saúde e na garantia dos direitos humanos e individuais dos usuários.
A ação é baseada em um termo de cooperação técnica assinado pelo governo do Estado de São Paulo, Tribunal de Justiça, Ministério Público e OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). O acordo entre essas autoridades cria uma equipe integrada por médicos, assistentes sociais e juízes sediados no Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), no Parque da Luz, próximo a região da Cracolândia.
Em um primeiro momento, os dependentes químicos serão levados ao Cratod para que seja realizada uma avaliação médica. Caso a equipe médica julgue necessária a internação e o usuário se recuse a submeter-se a ela, promotores entrarão com um pedido a um juiz de plantão para que este decida sobre uma internação compulsória. Atualmente, a lei brasileira prevê três tipos de internação: voluntária, involuntária (por determinação do médico e familiares, se o paciente não tiver condições de decidir) e compulsória (por decisão judicial). Se a decisão do juiz for favorável à internação, os dependentes de crack serão imediatamente levados, mesmo que contra sua vontade, para uma clínica especializada conveniada com o o governo. Todo o processo deve acontecer em poucas horas. Além dos casos de internação determinados pela justiça, os dependentes químicos que procurarem atendimento voluntariamente devem receber tratamento ambulatorial e ajuda de assistentes sociais.
O primeiro dia de funcionamento do sistema de internação compulsória foi marcado pela falta de informações e por protestos em frente à clínica destinada a receber os viciados e seus familiares, no centro da capital paulista. Durante as primeiras quatro horas de plantão jurídico no Cratod, não houve nenhuma internação compulsória
Os manifestantes reunidos no Cratod defendiam que, ao invés de focar a internações forçada, o governo concentre seus recursos na ampliação da rede de atendimento regular e ambulatorial a dependentes químicos, focando principalmente no atendimento noturno. O principal opositor à ação é o Padre Júlio Lancellotti, que defende moradores de rua e a população excluída de São Paulo.
Drogas como o crack, principal alvo dos combatentes do tráfico, agem de maneira tão forte e agressiva no organismo dos usuários que não permitem que eles entendam a gravidade de sua situação e o quanto seu comportamento pode ser nocivo para ele mesmo e para os outros. Seguindo essa premissa elaborou-se o sistema de agilização das internações compulsórias que entrou em vigor na última segunda-feira. Na prática a ideia é muito bonita: tirar das ruas os dependentes químicos e colocá-los em clínicas onde terão o devido tratamento e de onde sairão "curados". Entretanto, é preciso avaliar até que ponto esta solução proposta é viável. Se pararmos para refletir veremos que os viciados são somente a ponta de um complexo sistema, por isso tratá-los é só uma medida paliativa.
Antes de nos preocuparmos com os usuários é preciso que se tome alguma atitude para controlar a produção e o tráfico de entorpecentes. De nada adianta dar tratamento compulsório a uma pessoa que ao sair da internação terá novo contato com o universo das drogas, considerando-se os altos índices de reincidência registrados em nosso país. Com a diminuição da circulação de drogas diminuíssem, consequentemente, os usuários. O combate ao tráfico pode até ser mais complicado do que simplesmente recolher para as clínicas os dependentes, porém a longo prazo haveria uma significativa economias aos cofres públicos, uma vez que o número de viciados precisando de tratamento diminuiria muito.
Quanto ao tratamento, a esperança é que não seja apenas mais uma medida higienista voltada, principalmente, à região central da capital paulista. Uma alternativa à internação compulsória é o trabalho árduo com psicólogos para oferecer alternativas aos usuários, fazendo com que eles procurem as clínicas e ambulatórios voluntariamente. Devem ser levados em conta os aspectos psicológicos e trabalhada a ressocialização, que é um passo muito importante na recuperação destes dependentes. Nesse sentido, seria interessante que houvesse algum incentivo para que essas pessoas executassem algum tipo de trabalho e estudos, atividades que são de grande estímulo para a socialização e, além disso, significariam uma ocupação do tempo livre que normalmente seria utilizado para o uso de entorpecentes.
Também se faz necessário atentar para o apelo feito pela Organização Mundial de Saúde aos países para que abandonassem a política de internações compulsórias, uma vez que elas são conhecidas pela violação de direitos humanos que, em geral, acarretam e são pouco eficazes para a maior parte dos casos. O governo do Estado garantiu que haverá respeito aos direitos dos viciados, todavia é importante que os familiares e a sociedade como um todo ajudem na fiscalização destas ações, evitando que a violência seja usada nas abordagens.
Retomando velhos clichês, o investimento na educação, que atualmente é escasso, também é um grande aliado no combate às drogas. Oferecendo-se um ensino público de qualidade à população, formamos mais profissionais qualificados e retiramos das ruas um grande contingente de crianças e adolescente que estão expostos ao tráfico. O déficit educacional é um velho conhecido do governo estadual, entretanto pouco foi feito para mudar esse cenário nas últimas décadas. Por enquanto, a expectativa é que o problema das drogas não siga pelo mesmo caminho da educação.

Isabela R.
Informe-se
Sob o aspecto jurídico, o que mais chama minha atenção é a possibilidade de internação involuntária prevista na Lei 10216/01. Diferente da modalidade compulsória, onde o judiciário é provocado, a modalidade involuntária exige apenas que o Ministério Público seja comunicado em até 72 horas após a internação. Essa perspectiva, além de permitir uma série de arbítrios, me parece marcantemente inconstitucional.
ResponderExcluirQuanto ao combato às drogas, penso que em vista das fronteiras continentais do país, o controle não é e, quiçá, nunca será completo. A alternativa que soa mais viável para mim consiste na liberação de drogas de menor poder de dado - como a maconha - e a conversão dos tributos obtidos com essa política para que sejam destinados ao combate de outras drogas mais nocivas - como o crack e o oxi
A propósito, a postagem está ótima
Oi, Raphael!
ResponderExcluirEntão, como eu disse na parte factual do texto, existem as três possibilidades de internação: voluntária, involuntária e compulsória. Até agora, a maioria das internações efetuadas no Cratod foi de caráter voluntário e, salvo engano, somente uma compulsória foi realizada. As internação involuntária citada por você, pelo que me informei (não entendo muito de leis, como você, mas busquei algumas informações) ocorre quando a família entra com o pedido de internação e exige todo um processo jurídico que é bem longo. Nesta semana pude conversar com a mãe de um dependente que está passando por isto e ela me disse que está desde agosto/setembro do ano passado tratando da internação, que ainda não foi feita.
Agora, falando do tráfico de drogas, sei que é um cenário bem utópico falar em um Brasil sem ele. Concordo com você, quando fala na liberação das drogas de menor poder, pois isso acarretaria a eliminação do cárater de narcotráfico e a criminalidade associada a elas, além de produzir uma valiosa fonte de impostos e reduzir os custos de policiamento, que poderiam ser redirecionados para ações mais efetivas de combate às drogas mais pesadas.
Obrigada por ler e compartilhar sua opinião, o objetivo deste blog é exatamente este: gerar discussões e formular novas ideias.