Quem acompanha os jornais e noticiários diários tem se deparado com a história da reintegração de posse da comunidade de Pinheirinho, na cidade de São José dos Campos. Tudo começou em 2004, quando famílias pobres da região começaram a ocupar uma área de aproximadamente 1,3 milhão de metros quadrados que permanecia em desuso pela falida empresa Selecta, do megainvestidor Naji Nahas. O terreno, avaliado em 84 milhões, deve em impostos cerca de 16 milhões. Já no ano de 2005, houve a primeira tentativa de reintegração de posse da área, que não obteve sucesso. Desde então, moradores, proprietário e os órgãos governamentais fizeram vários acordos, e a situação parecia estar se resolvendo. Porém, essa trégua durou somente até a manhã do dia 22/01/2012, quando às 6h da manhã a polícia militar invadiu a comunidade obedecendo uma ordem do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo). Os desabrigados foram instalados em três abrigos organizados pela prefeitura, e parte dos que recusaram a ajuda do município se dirigiram para uma igreja no Campo dos Alemães, posteriormente transferidos para um quarto abrigo no Jardim Morumbi.
Opinião
Como é bastante comum em nosso país, Pinheirinho foi uma verdadeira sucessão de erros. Envolvido em diversos processos judiciais, Naji Nahas é considerado responsável direto pela quase falência da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em 89, acontecimento que lhe gerou diversas dívidas ao governo. É também acusado de evasão de divisas, sonegação de impostos e falência fraudulenta pela falência da própria Selecta, dona do terreno onde Pinheiro se instalou. Por motivos (corruptos) judiciais, aos quais nós, simples cidadãos, jamais teremos acesso, os bens pessoais de Nahas nunca foram tomados pelo governo. Sem dúvida alguma, sua modesta mansão, com piscina, quadra de tênis e elevador, garantiria um bom pagamento para as dívidas do empresário que, aliás, livrou-se da condenação por prescrição dos processos, que permaneceram desativados por anos.
O terreno não usado pela empresa falida foi, então, ocupado por uma população carente e desprezada pelo governo, ao qual cabe o papel de assistência e moradia para os que não as podem obter com o seu um salário mínimo por família (R$ 622,00) ou menos. E foi ocupado, provavelmente, porque não possuía proteção adequada. Após somente um ano de ocupação, uma parca e falha tentativa de reintegração foi posta em prática, pra ser refeita sete anos depois. A prefeitura, que podia ter se atentado ao fato de que uma parte da sua população invadia terreno particular, preferiu ignorar o ocorrido, ainda cedendo água, eletricidade e abertura de ruas regulares ao pedido de seus moradores, tornando, assim, a ocupação praticamente um bairro como qualquer outro.
Dias antes do início da reintegração, há uma semana , os Governos Estadual e Federal negociavam com os moradores da Comunidade, alvoroçados pela iminência da invasão da polícia. Tentativa de um dos primeiros acertos quanto a Pinheirinho, falhou. E não só falhou como pode ter tido conseqüências negativas: os acordos pareciam bastante promissores, e os moradores, já armados até os dentes de pedregulhos, madeiras e lixeiras de plástico, baixaram guarda. Para serem então acordados às seis da manhã por gritos, bombas de gás e tiros de bala de borracha.
A violência por parte da Polícia é indiscutível, por mais que os mesmos a neguem. Vídeos e fotos aos montes mostram policiais avançando sobre moradores indefesos, procurando proteger seus pertences e familiares. Não sejamos hipócritas, porém. Amedrontados pelo futuro incerto e obstinados a não serem lançados às sarjetas, muitos dos antigos moradores do Pinheirinho lançaram-se à violência, também, inclusive contra pessoas alheias aos acontecimentos. Coquetéis Molotov foram atirados em residências, veículos e prédios públicos. O que provavelmente passava na cabeça deles é que estavam a ponto de perder as únicas propriedades que possuíam, o que realmente ocorreu com muitos dos integrantes das mais de mil famílias ali residentes. A violência policial foi tanta que os primeiros a deixar o bairro não tiveram tempo de sequer recolher seus pertences. A situação era tão caótica que os moradores saíam aos montes, deixando até animais para trás, que dirá móveis impossíveis de serem carregados. Móveis esses que foram deixados em meio aos escombros das casas, e animais esses que, juntos, formam um grupo de mais de 500 gatos e cachorros abandonados, recebendo trato apenas de um grupo de voluntários que busca ajudá-los, sendo o futuro deles ainda incerto.
Enquanto os animais permanecem amontoados nos escombros, seus donos permanecem instalados em quadras, catalogados e identificados por pulseirinhas azuis, esperando receber o dinheiro mensal pra aluguel de casas, valor que deverá ser de R$ 500,00 (número estimado a partir da pesquisa de preços em bairros próximos ao Pinheirinho, que não mais existe). O plano do governo é manter o auxílio em dinheiro enquanto moradias são construídas para os realocados. Deve-se ainda ser oferecido auxílio-mudança. Inicialmente, diversos moradores permaneceram abrigados em uma igreja, por terem se recusado a receber a ajuda da prefeitura devido às más condições dos abrigos desta, mas posteriormente realocados para um abrigo oficial. Um carro anunciava que os desabrigados instalados ali na igreja deveriam juntar suas coisas e iniciar um caminhada de mais ou menos quatro quilômetros, com suas crianças sob o sol, até o bairro Morumbi. Ela foi realizada – o que era, afinal, um caminhada de uma hora para aquele povo que já tinha até enfrentado o terror das bombas de gás? - com auxílio de carrinhos de supermercado, de mão e de bebê, e então todos foram realocados.
Conto pelo menos seis grandes erros por parte de nosso governo, e todos levaram à uma grande explosão: a violenta tomada do valioso terreno, cobiçado por grandes incorporadoras e construtoras da região. Para os moradores despejados, resta apenas a esperança de um dia conseguir uma moradia mais digna, na qual não estejam sujeitos aos interesses dos grandes, e ao mesmo tempo, não serem esquecidos pelo governo, como é de praxe acontecer às famílias vítimas de desabrigamentos após a mídia se silenciar. Enquanto isso, o sonho permanece adormecido em meio aos colchões acomodados no chão.
Isabela R. e Gabriel F.
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