segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Greves


Fatos

Há quatorze dias, a polícia militar baiana decretou greve. Com grande parte da força policial paralisada no estado, o índice de criminalidade cresceu assustadoramente, amedrontando a população. Gravações feitas pela Rede Globo ainda revelaram que o líder do movimento grevista na Bahia, Marco Prisco, planejava atos de vandalismo. Juntamente com Antônio Paulo Angeline e mais cerca de 250 pessoas, os grevistas ocupavam o prédio da Assembleia Legislativa da Bahia, em Salvador, que foi cercado por mil homens do Exército. Apenas no dia 10/02 foi decretado o fim do movimento, anunciado pelo Comandante da Polícia Militar da Bahia, Coronel Alfredo Castro, que informou que mais de 85% dos policiais já trabalha normalmente, e que os policiais que se ausentarem sem justificativas terão seus pontos cortados. Acrescentou também que o Exército, que foi acionado devido à paralisia da polícia, ainda não deve deixar as ruas da capital, pois a cidade não voltou ao seu estado de normalidade. As escolas retomaram suas atividades nesta segunda, e o comércio se recupera dos prejuízos causados.
Enquanto a greve baiana chegava ao fim, foi anunciada a greve, inicialmente, dos policiais civis, militares e bombeiros no Rio de Janeiro, nesta quinta-feira (09/02/12). A paralisação foi confirmada em uma assembleia que reuniu duas mil pessoas. A greve, contudo, não é geral, como na Bahia, e prevê a paralisia de apenas 30% da força de trabalho. O Exército logo deve mandar homens para patrulha no Estado, para suprir a falta que farão os grevistas. O BOPE, para mesmo fim, já foi acionado. Diversas delegacias fluminenses estão trabalhando apenas com flagrantes e serviços mortuários, como forma de greve. Os bombeiros atendem apenas resgates que envolvam risco de vida, e os salva-vidas trabalham sem uniforme. Apesar de grande parte estar trabalhando e ainda não ter havido nenhuma ocorrência mais grave, o governo do estado está agindo com rigorosidade sobre os grevistas, tendo indiciado mais de 500 funcionários de segurança e prendido alguns dos líderes do movimento. Mais recentemente a Polícia Civil se retirou da greve, mas os bombeiros garantem sua continuidade.
Em ambos os movimentos, os grevistas exigem melhores condições de trabalho, com melhores salários. Na Bahia, exigiam plano de carreira, concessão de gratificação, revisão do auxílio-alimentação e anistia para os presos. No caso do Rio, são específicos: Pedem piso salarial de 3,5 mil reais, sendo que recebem, atualmente, 1,1 mil. Já foi concedido a eles aumento de 39% do salário, mas pedem aumento maior. Os bombeiros ainda exigem a liberdade do cabo carioca Benevenuto Daciolo, preso como cúmplice de Marco Prisco (acima) acerca dos planos de vandalismo. A discussão é relativa devido à não clareza do artigo da nossa Constituição, mas é considerado pela Justiça ser inconstitucional a greve por parte dos PMs, e por isso as prisões são permitidas. Por serem responsáveis diretos pela segurança da população e por portarem armas, a eles o direito de greve não é concedido. Por esse motivo, tanto a presidente como o governo do estado do Rio se declararam contra anistias.


Opiniões

É mais que senso comum que nossa força policial brasileira recebe pouco demais para o serviço que nos prestam. Homens que se arriscam todo dia pela segurança pública recebem, atualmente, apenas mil e cem reais por mês (Rio, cuja capital é cidade das mais violentas no país). Incluem-se aqui os bombeiros. É claramente insuficiente.
A grande polêmica que ronda as duas greves, a baiana e a carioca, são a inconstitucionalidade das mesmas. Consta em nossa Constituição que nossas forças de segurança militarizadas são proibidas de fazer greve. De acordo com o advogado Wadih Damous, “a atividade policial é serviço público essencial à preservação da vida das pessoas e da ordem pública, valores imprescindíveis à própria subsistência do Estado Democrático de Direito. Aos militares são vedadas a sindicalização e a greve”. É, em minha opinião, um justo argumento com a sociedade e sua segurança. Mas acredito que todos devam ter voz ativa quando o que está em jogo são as condições de toda uma classe de trabalho. Se juntarmos toda a força militar brasileira, teremos uma soma realmente grande. E a ela é vetada o direito de exigir melhores condições de trabalho? Isso, por algum motivo, lembra-me os primórdios da Revolução Industrial.
Em pleno século XXI, não deixaria de haver uma desculpa que sirva de escapatória humanizadora: a eles são permitidos outros tipos de reivindicação. Mas acredito que a greve é realmente o método mais efetivo de se obter resultados expressivos.
O artigo da Constituição que proíbe greve aos militares teme, com certeza, uma reação como a baiana – ou pior. De fato, a greve na Bahia foi intensa: a paralisação das forças de segurança foi quase total, e a criminalidade subiu a níveis assustadores. A denúncia da Globo revela gravidade ainda maior: a intencionalidade de vandalismos. Teme-se ainda mais por serem trabalhadores armados. Porém, Rio nos surpreende. A greve, que ainda ocorre, mostra uma organização total, que chama a atenção midiática, mas não coloca a população em risco. Passeatas totalmente pacíficas são realizadas, e apenas uma pequena porcentagem dos trabalhadores não está comparecendo ao trabalho. Mesmo assim o governo do estado repreende fortemente a paralisação.
São dois casos de greves, e dois pensamentos que me acodem. A Bahia deve nos despertar ao fato de que os agentes da segurança brasileira estão desesperados. A situação é tão grave que recorreram todos à greve. A semelhança entre as palavras se for à toa, não deveria ser. De ânimos esquentados, os baianos recorreram a um radicalismo mais extremado. Mas sabe-se lá que atenção daria a mídia se fosse algo contido e dentro das leis. A Bahia deve nos despertar pra necessidade urgente da melhora da segurança pública não apenas baiana, mas brasileira. E, pra piorar, talvez não no caso dos bombeiros, mas sim no da polícia, o setor está desprestigiado, impopular. Não é raro encontrar “odiadores” da polícia, quiçá até mesmo de carteirinha. Não é por nada, mas trabalhar correndo risco de vida, sendo odiado pela população e ainda ganhando mal... não deve ser exatamente agradável.
Quanto ao Rio, acode-me o pensamento de que o despertar deve se voltar pra nossa própria constituição. Como dito, parece certo que a segurança pública não possa fazer greve... pois o crime se aproveita de uma brecha qualquer, e a população não tem força pra defender-se sozinha. Mas parece errado, ao mesmo tempo, que trabalhadores justos e honestos não tenham direito a um modo eficaz de exigir melhorias de trabalho. E a greve carioca tem dado tão certo! Acredito que a greve no Rio deveria nos acordar pra uma mudança constitucional, uma simples emenda, talvez. Porque não, observando o sucesso em manter a segurança no Rio, regulamentar greves como a que está sendo feita no estado?
Resta-me apenas pensar nos bombeiros e policias cariocas e baianos, fluminenses e soteropolitanos, que, de acordo com as leis em vigor, estão presos. É ilícito soltá-los. É mau exemplo anistiá-los. Que, graças a eles, seus iguais passem a receber suas merecidas melhores condições. Que, graças a eles, as nossas leis ajustem-se melhor aos direitos humanos (e quem sabe, realizada a mudança, a anistia dos mesmos garanta-se). Que sejam, portanto, mártires anônimos de uma pequena revolução nacional.

Gabriel Falcini

                                      Foto: Murilo Rezende/Futura Press/AE

Sugestões:

10 comentários:

  1. Olá meus blogueiros prediletos!
    Ainda não estou tão inteirada neste assunto, talvez seja pela minha repentina falta de dedicação à informação rsrs, mas o post me animou bastante e vou renovar meus arquivos aqui.

    Então, comecei a ler um pouco receosa, mas vi que era apenas a constatação dos fatos. Assim, não me decepcionei com a parte da opinião!

    "...Mas acredito que todos devam ter voz ativa quando o que está em jogo são as condições de toda uma classe de trabalho[...] E a ela é vetada o direito de exigir melhores condições de trabalho? Isso, por algum motivo, lembra-me os primórdios da Revolução Industrial."

    Tudo o que você disse ai, então, resume a minha opinião. Sou totalmente a favor de greves e reivindicações. Sem ação não há mudança e creio que não há outra maneira de, mesmo as polícias militares, exigirem seus direitos. Desconheço outra solução para aumento salarial, férias remuneradas e derivados. Sempre há os prós e os contras de uma paralisação, mas um policial mal remunerado na rua quase se assemelha a um que esteja parado por greve. Penso que deva-se ter segurança plena e o estado precisa fornecer meios para que isso aconteça. Uma paralisação de 20 dias ou uma classe trabalhadora estagnada?

    Bom, adoro vocês, mais uma vez parabéns!!

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    1. Sté,
      Que orgulho temos de sermos seus blogueiros prediletos :) Isso porque se você não é a mais, é uma das mais fiéis leitoras :)
      Você tem toda razão, e amei seu argumento, de que um policial em greve e um mal remunerado são semelhantes quanto a sua produção. Certíssimo!
      Li em alguma reportagem de que os meios lícitos pelos quais os policiais deveriam reivindicar melhorias são conferências internas, pacíficas e em horários extra, ou coisas assim... quem daria atenção a isso? Que mídia exploraria o assunto?

      Saudações não efêmeras :)

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  2. Adorei o post sobre as greves que estão ocorrendo no Rio de Janeiro e na Bahia, compartilho da sua opinião, realmente é muito irônico você trabalhar todos os dias para a segurança nacional, correndo risco de vida e recebendo um salário insuficiente para a profissão...estou adorando o blog de vocês continuem postando assuntos interessantes e que abrangem a sociedade..um beijo Glenda Kormann

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    1. Glen,

      Obrigado! Espero que você goste dos nossos textos futuros, o que nos fará prosseguir é a aprovação dos nossos leitores!

      Beijos

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  3. Confesso que não ando acompanhando os jornais, devido aos inumeros compromissos decorrentes da minha entrada na faculdade e consequente mudança... Mas quando soube do tema do post, fui correndo me informar! E compartilho das suas opiniões (como na grande maioria das vezes!) Há fundamento no fato de os policiais não terem direito a greve, porém não é justo! Tantos trabalhadores que correm muito menos riscos em seu dia-a-dia tem muito mais direitos e assistência do que esses policiais/bombeiros. Já está mais do que na hora de está classe receber o seu devido valor!

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    1. Concordo! E a greve está sendo muito bem administrada no Rio de Janeiro, de forma a chamar a atenção, mas garantir a segurança... essa forma de greve poderia ser regulamentada para eles!

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  4. Outro post, outro tema muito bom escolhido! Esse assunto é interessantíssimo, policiais, cidadãos que colocam sua vida em risco todos os dias terem que trabalhar sabendo de sua impopularidade e muitas vezes deixando suas famílias 'no aperto', por conta do salário absurdo que recebem! Acredito, que muitos entrem na corrupção por conta disso... realmente, ta na hora de alguma mudança significativa, Brasil.


    PS: Parabéns pelo texto, como sempre, muito bom!

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    1. Deb, levando pro lado pessoal, que fofa você aqui, é muito importante pra mim!!

      E sim, pois é... Condições assim não são nada estimulantes! Como disse a Sté, é quase a mesma coisa um policial em greve e um policial trabalhando ganhando pouco, sendo odiado e correndo riscos. Não há produtividade!
      Continue nos lendo, senhorita <3

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  5. Queridos jovens do bem... lamento dizer, mas não sou a favor das greves, ainda que o motivo seja validado pela sociedade. Considerem meus argumentos: primeiro, greves são instrumentos políticos e partidários, reparem como surgem com maior intensidade em anos de eleição. Conheço com propriedade casos de greves em que seus líderes ativistas aceitaram "acordos" pessoais para abortar paralisações. Segundo, reconhecimento e valoração se conquistam com trabalho sério, capaz e competente... a relação é simultânea, natural e sistêmica: serviço competente cria valor e gera recompensa. E para encerrar, ainda devo dizer que, em nosso país, o que de fato as greves afetam é a população menos favorecida, porque os tomadores de decisão não usam serviços públicos. Lembram da greve de professores públicos do Estado de Minas Gerais no ano passado? Mais de cem dias sem aulas... Quem perdeu? Os filhos dos gestores públicos? Dos professores grevistas? Claro que não, esses todos estudam em escolas particulares... Ou seja, é fácil defender greve quando não precisamos dos serviços paralisados. Ora,ora as grandes mudanças ocorrem mesmo pela ação. Como bem diz meu pai: a vida não tem parada, temos que aprender a trocar pneu de carro andando. O que é mais injusto? O miserável salário de um professor ou a perda irreparável do aprendizado dos alunos com uma escola fechada por 100 dias? Arregaçar as mangas e fazer o melhor de si é um direito de todos e para essa causa, não há limite.

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    1. Bastante justo, mas que podem fazer as classes trabalhadoras que são por inteiras ignoradas pelo governo? Um cabo do corpo de bombeiros do Rio afirmou que a greve, naquele caso, era a última ação a que estavam recorrendo, pois todos os apelos dos mesmos foram ignorados. Quando assistiram o adiamento da PEC 300 para o ano que vem, protestaram, mas nada foi feito. A greve veio e o Brasil todo atentou para a sua situação, e o governo rapidamente adiantou o aumento do salário que viria apenas ao fim do ano. Realmente, em se falando de ensino e transporte público, ambos são usados pela população mais carente e afetam exclusivamente as classes mais ponres. Mas quanto a polícia, bombeiros e salva-vidas, há muito pouca distinção de classe, certo? Além de que, a organização da greve no Rio foi tão grande que serviços mais fundamentais não foram suspensos.

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